“O despovoamento que está a ocorrer no interior é, às vezes ele próprio, factor de falta de conservação das florestas”

A sessão de enceramento das XXII Jornadas Pedagógicas de Educação Ambiental da ASPEA teve alguns convidados especiais.

 

Sendo um deles o recente Secretário de Estado do Ambiente, Carlos Martins, que teve a gentileza de responder a algumas das perguntas dos Jovens Repórteres ASPEA sobre a importância da educação e políticas ambientais, o trabalho da ASPEA e as desigualdades entre o litoral e o interior do país.

Após a entrevista, foi oferecida ao Secretário de Estado uma carta das Corresponsabilidades redigida por jovens na conferência europeia “Vamos Cuidar do Planeta”. Veja aqui esta entrevista.

Qual é o contributo da Educação Ambiental para que Portugal consiga ser sustentável?

Eu diria que é um contributo essencial, porque os países com muitas infra-estruturas de natureza ambiental só conseguem tirar partido dessas infra-estruturas com cidadãos muito conscientes do seu papel, portanto, se há política que depende muito da participação dos seus cidadãos, da compreensão e da colaboração deles para que os resultados sejam bons, as políticas ambientais são aquelas que mais evidenciam essa necessidade. Há aqui uma necessidade, por um lado de mudar comportamentos, e essa mudança de comportamentos está intimamente ligada às mensagens que a educação ambiental, focada em vários temas do ambiente, pode dar como contributo para um somatório que nos leva a ser um país ainda melhor. Nós demos muitos passos no bom sentido, mas ainda temos muita coisa para fazer.

Quais são as políticas ambientais exercidas em Portugal que o senhor considera exemplares?

Em vez de fazer aquilo que por vezes pode ser um auto elogio, preferia falar daquilo que as entidades e os organismos internacionais reconhecem que Portugal fez muito bem. Eu julgo que temos 3 ou 4 domínios bastante bons.

Fizemos uma revolução na área dos resíduos sólidos urbanos, onde de facto num período de tempo muito curto passamos de um país que já não é vosso contemporâneo, como jovens que são felizmente, mas era um pais que tinha em todos os municípios uma ou mais do que uma lixeiras a céu aberto, que na maior parte dos casos ardia durante o dia, com maus cheiros, a queimar os lixos que nós produzíamos, com emissões atmosféricas gravíssimas, essa, eu diria, foi talvez a política com mais sucesso e internacionalmente mais reconhecida, também associada ao facto de o fazermos num período de tempo muito curto.

A segunda política que também é reconhecida internacionalmente quase como, e chamam-lhe mesmo algumas entidades, o “milagre português”, foi no domínio da água e do saneamento. Nós ainda há 30 anos atrás, menos de metade da população tinha água em casa, hoje temos já 95% da população portuguesa com abastecimento público de água nas suas casas, mais de 90 tem saneamento e esse saneamento é conduzido a estações de tratamento que o fazem de uma forma adequada, isso aumentou o nosso número de bandeiras azuis, qualificando a água e a areia das nossas praias, hoje vamos para lá sem problemas de segurança ao nível da saúde.

Um outro exemplo tem a ver com a biodiversidade. Somos um país muito pequeno no contexto europeu, mas somos dos mais ricos em termos de biodiversidade, somos os que temos uma área mais significativa em termos da rede ecológica, e temos dois ou três estuários que são essenciais para muitas aves que vêm aqui fazer as suas migrações e nidificar e, portanto contribuem mundialmente para que muitas destas espécies vivam sem aqueles constrangimentos de espécies em vias de extinção, e isso só é possível porque tivemos muito cuidado por um lado, com instrumentos de planeamento mas também com o rigor que executamos algumas políticas.

Sabemos que existe uma grande desigualdade entre o interior e o litoral. Como é que acha que políticas ambientais podem contribuir para reduzir essa desigualdade?

As políticas ambientais podem-se constituir como um factor de coesão, depende da maneira como olhamos para elas. Nós temos um país assolado no verão geralmente pelos fogos florestais, eventualmente é um problema ambiental gravíssimo para além de económico. E como é que isso poderia ser minimizado? Muitas vezes canalizamos verbas muito significativas para meios de combate de incêndios quando eventualmente esses meios, se fossem orientados para políticas que fizessem com que as pessoas se fixassem mais no interior através da localização de emprego, emprego mais qualificado, isso faria com que houvesse mais disponibilidade de recursos humanos para os alertas no tempo oportuno. Para esse combate em tempo oportuno é necessário haver gente que possa prontamente ocorrer ou avisar em tempo útil dessas ocorrências, por isso o despovoamento que está a ocorrer no interior é, às vezes ele próprio, factor de falta de conservação das florestas, de limpeza, de quando há incêndios ou outros acidentes graves. Eu diria que há aqui uma mudança de paradigma a fazer relativamente aquilo que é o interior olhado como uma zona pouco atractiva, ou um interior que é essencial ao desenvolvimento do país. Devem ser canalizadas verbas para incrementar que pessoas qualificadas se mantenham com actividades turísticas, actividades de exploração de alguns recursos endógenos, rios mais despoluídos, praias fluviais, exploração florestal mas uma exploração florestal qualificada, uma exploração agrícola ou de produtos agrícolas nomeadamente biológicos que possam dar-lhe valor, e portanto ao dar-lhe valor possam servir para exportação e não seja aquela ideia da agricultura de subsistência que havia há 2 ou 3 gerações atrás, e vá atrás de outros valores que hoje as sociedades começaram a valorizar e nesse domínio, por exemplo de produtos biológicos, o interior de Portugal poderia ainda fazer muito para valorizar os seus territórios.

A ASPEA está a crescer ao inaugurar um núcleo em Viseu totalizando sete núcleos em Portugal. Para si, qual é a importância de uma associação como a ASPEA se expandir pelo país?

As organizações não governamentais e em particular as ONGs do ambiente são hoje parceiros das políticas de ambiente. São, digamos, os parceiros mais próximos dos cidadãos, aqueles que aparecem com um maior distanciamento e com uma maior independência, aqueles que se mantém mais fiéis aos seus princípios ao longo do tempo, muitas vezes os governos podem ter tendências a alterar as políticas cada vez que muda um governo. As ONGs de uma maneira geral, porque se movem por ideias, porque pensam para projectos de muito longo prazo, são elas próprias motores de ideias e de vontades e aglutinadores da participação dos cidadãos nas políticas. Penso que são imprescindíveis e é uma boa articulação entre quem está a governar, seja a nível nacional seja a nível local, portanto os próprios municípios, com estas ONG de ambiente, no sentido que as próprias políticas traduzam muitas vezes a sensibilidade que vem dos trabalhos e das reflexões que as ONG fazem ao longo das suas actividades e de jornadas como foi o caso destas aqui em Viseu.

Texto: Ana Sofia Henriques e Catarina Soares

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